Quem já trabalhou em grandes corporações ou prestou serviço para elas, conhece um pouco dos longos e detalhados processos de planejamento, pesquisas, múltiplas camadas de aprovações e idas e vindas de decisões que servem para garantir que os principais movimentos sejam feitos com a menor margem de erro possível.
Mas, se estes modelos já vêm sendo desafiados e repensados nos últimos anos, a chegada da pandemia do COVID-19 força a aceleração dos processos e muda o panorama de como empresas de grande porte encaram os desafios do dia a dia.
Agilidade deixou de ser somente “recomendável” para uma empresa poder se manter relevante, e agora passou a ser uma premissa fundamental para a sobrevivência. E, se tem alguém que navega no universo corporativo com tanta autoridade quanto no universo Agile, este alguém é André Felippa.
Com passagens em empresas como Mercedes-Benz, GM, Unilever, Samsung e Mondelez, o executivo se especializou na Transformação Agile e, desde 2019 à frente da Felippa Consulting, vem ajudando empresas de todos os portes a implementar essa nova cultura, processos e ferramentas.
Na Featured Story deste mês de quarentena, conversamos com André Felippa sobre o tema que todo mundo tá se perguntando: como atravessar a crise e sobreviver a ela.
P: André, Agile, Sprint, Scrum são nomes da moda, ou vieram pra ficar?
R: Esses são apenas alguns dos nomes que os executivos têm escutado com cada vez maior frequência no mundo corporativo, embora a cultura Agile e seus frameworks já tenham se comprovado há décadas no mundo do software e TI, e por isso mesmo chegaram para ficar. Para quem ainda não conhece muito sobre o tema, é frequente a confusão com tantos acrônimos, mas é simples: Agile (ou agilidade, embora eu prefira o primeiro) é um grande ‘guarda-chuva’ que engloba os demais conceitos. Termos como Scrum, Kanban, Scrumban, SAFe, LeSS e muitos mais, são apenas algumas ferramentas ou processos que ficam sob esse grande ‘guarda-chuva’.
P: Você fez carreira em grandes grupos, com budgets robustos para gerenciar, responsabilidade de P&L e centenas de pessoas no time. O tema agilidade nem sempre foi pauta, até porque manobrar um transatlântico não é fácil. Em que momento a agilidade passou a fazer parte do vocabulário dos executivos?
R: Já há alguns anos venho notando que os executivos se voltam para o Agile à medida em que seus processos ‘tradicionais’ já não conseguem mais responder de forma eficaz à crescente volatilidade e complexidade do nosso mundo ‘VUCA’, ou quando eles notam que seus concorrentes estão implementando técnicas ágeis com grandes benefícios, e que eles estão ficando para trás. O Agile é uma cultura que prega uma maior adaptabilidade, com base nos inputs dos clientes ao longo do processo, o qual é gerido de forma bastante autônoma e rápida por pequenas equipes de trabalho, entregando qualidade, eficiência, velocidade e engajamento comprovadamente superiores.
P: Qual é a principal barreira para a implementação do Agile?
R: A maior barreira que encontro na Transformação Agile é de natureza cultural. Noto com frequência que executivos mais ‘seniores’ defendem seus processos e hierarquias tradicionais, demonstrando um despreparo e até aversão emocional às mudanças requeridas. O Agile não é complicado; pode ser implementado passo a passo. A implantação através de projetos-piloto é usualmente recomendada, para permitir o aprendizado e adequação ao contexto específico da empresa ou área. Mas é sempre absolutamente fundamental o endosso e a participação pessoal dos C-Levels, ao longo do processo.
P: Quem conseguiu implementar metodologias ágeis antes da crise tem mais chance de enfrentá-la melhor?
R: Com certeza! Como o Agile está centrado na adaptabilidade, em um momento de crise como o atual as equipes Agile estão mais bem preparadas para aplicar sua cultura de “aprender fazendo”, e “errar sem medo”. A crise atual é uma das mais complexas e imprevisíveis que a humanidade já enfrentou, e eu não conheço ninguém que tenha todas as respostas para o futuro, e por isso é tão crítico podermos gerar ‘experimentos rápidos’ (MVPs) e ajustá-los conforme se vai aprendendo ao longo do caminho.
P: No Agile o erro é visto como etapa do processo e um aprendizado valioso, né? Neste momento de crise, ainda dá pra errar?
R: Exatamente. Em particular nos momentos de ambiguidade e incerteza é que a experimentação faz mais sentido. Notem que eu não falo de errar versus acertar. Falo de ‘experimentar, aprender e adaptar’, de forma ágil e flexível. Vale recordar uma pesquisa robusta realizada pelo Google há 5 anos, que demonstrou que ‘psychological safety’ (segurança psicológica para errar sem medo) é o fator com maior correlação com a alta performance de equipes de sucesso, no mundo todo. Essa é a base do Agile.
P: E quem ainda atua nos moldes e processos tradicionais, vai ter que se ajustar para sobreviver?
R: Não acredito em posições absolutas ou fundamentalistas. Acho que o Agile tem um enorme espaço nas mais diversas áreas e projetos das empresas, porém não é uma ‘bala de prata’ que vai acabar com todos os problemas. O Agile faz maior sentido em contextos e processos complexos onde o enunciado dos problemas não é 100% claro, e a solução não é conhecida previamente. E esse contingente é cada vez mais crescente no nosso contexto VUCA. Porém sempre haverá situações um pouco mais estáveis e previsíveis, onde os processos tradicionais e sequenciais (tipo ‘waterfall’) ainda fazem sentido.
P: Quais empresas ou marcas você tem visto que estão reagindo bem neste momento?
R: Fico feliz de notar uma enorme abertura e interesse de quase todos os tipos de empresas à cultura Agile, e estou seguro dos benefícios que elas obterão com isso, em particular neste momento de crise. Não há quase nenhum setor que não tenha sido seriamente impactado pelo Covid, e consequentemente noto que estão todos buscando novas formas de trabalho, novas rotas de vendas, novos produtos e serviços, novas parcerias, e acelerando dramaticamente a transformação digital. O mundo corporativo está reagindo rápido, e nunca mais será como antes. E, a meu ver, serão mudanças para melhor!
P: Se tivesse que dar uma recomendação aos nossos leitores, o que você diria?
R: Experimentem e arrisquem mais. Confiem e deleguem mais aos seus colaboradores e seus parceiros. Façam mais testes, MVPs rápidos, sprints de design thinking, aprendam e ‘pivotem’ sempre que necessário. Sejam humildes (de verdade) para ouvir e aprender com todos que puderem. Aqueles que se adaptarem mais rapidamente, e se prender às ‘âncoras’ do passado, serão os que passarão por esta crise árdua da melhor forma. E me coloco à disposição para ajudá-los!