Ricardo “Kiko” Borger – redator publicitário e sócio na BPool – é o colunista convidado desta semana e fala sobre inspiração, criatividade e a volta à essência do que é ser criativo.
Esses dias recebi o seguinte job: criar campanha de endomarketing para uma rede de hospitais. Fosse em outros tempos, a reação seria tipo “casca, hein?”. No contexto atual, é o job da vida. Literalmente. Continua sendo casca, mas é aquele que importa, que pode fazer diferença de verdade. Quem mais que os colaboradores de hospitais merece receber uma mensagem contundente de apoio e acolhimento? Isso me fez refletir sobre outros Jobs e a relação da comunicação com o momento do mundo. A conclusão: ele, o momento, está nos fazendo voltar para a essência. O que, na minha opinião, é positivo.
O festival de publicidade de Cannes foi adiado e provavelmente vai ficar só para o ano que vem, já que algumas das grandes redes globais anunciaram que não vão participar para conter custos. Isso significa, ou pelo menos deveria significar, uma pausa no vamos pegar umas horinhas pra pensar em prêmio, requentar aquele projeto, fazer e mostrar pro cliente pronto, depois a gente capricha no vídeo case etc. Uma série de práticas que, se por um lado ajudam a produzir pensamentos de vanguarda, por outro acabam desviando o foco do que realmente interessa. Isso não é uma crítica aos festivais, eu mesmo já adotei tais práticas e eles tem sua importância. É só uma reflexão, que vai além deles.
Pense: mesmo se esse e outros festivais fossem acontecer, quais clientes e agências iriam querer colocar energia e recursos nesse tipo de projeto agora? Cada briefing que chega tem um propósito claro e firme. As marcas precisam se posicionar, se manter na memória, os produtos precisam continuar saindo das prateleiras e, obviamente, o caixa das agências também tem que girar. Nessas horas, não tem traquitana ou pirotecnologia que salve. Provavelmente, não é um MUB (Mobiliário Urbano) ativado no celular com realidade aumentada, que vai resolver. É a mensagem. Um conceito verdadeiro. Uma forma diferente e arrebatadora. Ideias fortes na essência. Impressionar os amigos das agências ficou em segundo, terceiro, talvez quarto ou quinto plano. Aquela espécie de janela de transferência, com profissionais de criação premiados indo daqui pra lá e de lá pra cá, que acontece entre os festivais, não deve rolar esse ano.
Para completar, existem as limitações de produção. O isolamento não permite abrir câmera. É decreto. A verba dos clientes para os jobs de agora, em geral, não tem sido das maiores. Ou seja, a saída do “tudo bem, a gente dá na mão de um diretor pica” não rola. Ilustração, banco de imagem, letreiros, motion, design? As soluções de execução têm que ser simples, inteligentes e, de novo, valorizar a essência da ideia. Confesso que tenho curtido. Gastar mais tempo na folha em branco, nos insights, nos raciocínios. Sinto como se tivesse me reconectando com o que fez me fez escolher esse ofício. E quando isso acontece, a criatividade flui melhor.
As próprias ditas ideias de oportunidade e pró-atividade tem que de fato resolver algo, para o cliente ou para a sociedade. Senão sequer faz sentido apresentar. A torcida é para que o vírus seja controlado, com o mínimo de fatalidades. E que a gente possa voltar a se ver, se tocar e trabalhar lado a lado o mais rápido possível. O distanciamento realmente tem um poder surtante. Espero que, inclusive, os festivais de publicidade voltem a acontecer o quanto antes. Talvez de um jeito diferente. Como tudo vai ser. Mas se tem algum aprendizado profissional que eu gostaria de tirar de tudo que está acontecendo, é esse. Valorizar a essência da comunicação. Sempre. Aconteça o que acontecer.
Valorizar a essência é o aprendizado para todas as áreas
Verdade! O tema foi super bem ilustrado na esfera criativa, mas serve de reflexão ampla para todo mundo, independente da área de atuação. =)