Se você já viu um carro que parece ter sido tomado por plantas pelas ruas da Vila Madalena (São Paulo), você já foi impactado(a) pelo trabalho do Bijari. Se você assistiu ao show da Ivete Sangalo no Madison Square Garden, também. Se você viu o mapping gigante do Discovey Channel no MASP … Bom, de novo… Do Bijari. E, se você foi ao Lollapalooza ou no festival MECA Inhotim nos últimos 3 ou 4 anos, certamente interagiu com algum conteúdo gerado pelo Bijari.
Com trabalhos no Brasil e no exterior, o coletivo, que foi criado em 2001, reúne artistas, arquitetos, cenógrafos, designers, diretores de vídeo e planejadores para criar “ações artísticas e experiências estéticas que transformem a relação entre pessoas, espaço e sociedade” — segundo eles mesmos.
Na Featured Story BPool de setembro, os sócios do “Bija” falaram um pouco sobre arte, inspiração e mercado.
Com vocês então, João, Rodrigo, Olavo, Maurício, Geandre e Gustavo, do Estúdio Bijari.
P: Pessoal, vamos começar com o nome? De onde vem o nome Bijari?
R: Bijari é o nome da rua em que tivemos nossa primeira sede. Na época eram 10 estudantes da FAU-USP que se uniram para montar um espaço de projetos e experimentações, que foi primeiramente chamado de “Fábrica da Bijari”. Quando mudamos de endereço o nome já tinha pegado e sempre falavam dos “Bijaris”. Ficou o nome e segue até hoje. Um lado bacana é que o nome, de origem tupi-guarani, representa uma árvore que se renova, trocando sua casca constantemente.
P: O lado artístico do Bijari é muito forte e podemos encontrar trabalhos de vocês em várias galerias de arte, exposições e instalações mundo afora. Como é a relação entre os trabalhos, digamos, “comerciais” e os trabalhos artísticos do Bijari?
R: Esta sempre foi uma discussão interessante, mas entendemos que estes “dois lados” se alimentam mutuamente. A pesquisa de linguagens e tecnologias dos trabalhos comerciais impactam na nossa produção artística e o olhar para as relações entre as pessoas e o espaço que habitam, que norteia nosso trabalho artístico, contribui para trazer um frescor nos trabalhos para marcas. Assumimos esta dicotomia como algo positivo e vibrante.
P: A tagline do Bijari é “toda reação gera uma ação”. Quais trabalhos vocês acham que melhor representam isso e por quê?
R: Essa tagline vem da pratica interna do grupo, de sempre procurar modos para se provocar, sair da zona de conforto e principalmente colocar em prática, com nossas ações algo que transforme minimamente o mundo. Nossos trabalhos procuram provocar o olhar e discutir as relações entre pessoas, espaços e a sociedade.
Dentro de um trabalho comercial é mais difícil quebrar esses paradigmas, ou o próprio briefing já vem sem essa ousadia, mas muitas vezes somos chamados para esse tipo de projeto, que vai além da imagem, e isso nos agrada muito! Quando fazemos ações no espaço público, com o videomapping para Discovery, a instalação do empreendimento POD, em parceria com os arquitetos do FGMF, fica claro que não queriam apenas uma campanha ou um stand normal, e essa ousadia nos interessa. Em projetos artísticos romper os limites também é necessário. Muitas vezes colocamos nossos trabalhos fora de um museu ou galeria, saindo do lugar comum e se arriscando nas adversidades urbanas, trazendo o trabalho para a realidade e talvez deixando a nossa subjetividade para um maior número de pessoas.
P: Vocês estão no mercado há 18 anos. Quais são as principais mudanças que vocês sentiram neste período? E, hoje, a arte é mais ou menos relevante na comunicação do que era em 2001?
R: A principal mudança sem dúvida foi essa mudança do analógico para o digital. Nós somos parte da geração de transição, que nasce com lápis e papel, valoriza um trabalho executado manualmente e chega ao digital à partir dessa lente. Isso deixa em nós um registro, uma maneira de ver o mundo. Gostamos de fazer uma coisa por vez ao invés de ser multitask, gostamos quando podemos estar na rua e não só na tela do computador, achamos que não precisa conhecer Berlim antes de ir a Caruarú, entendemos a natureza não antagoniza com a tecnologia e que ser tecnofóbico não muda o mundo!
Nossos trabalhos artísticos sempre transitaram entre o analógico e o digital, o local e o global, público e o privado, e isso permeia e está presente em nossas atitudes e pensamento. Acreditamos que cada vez mais o valor do artístico/criativo será maior, pois todo o lado operacional e técnico será automatizado.
P: Desde a fundação do estúdio, vocês provavelmente testaram diferentes modelos organizacionais, né? Mais hierarquizado vs menos hierarquizado, mais centralizado vs mais descentralizado… Hoje, qual é modelo que funciona melhor para um coletivo de criação como o Bijari?
R: Esta é uma discussão constante no Bijari. Sempre acreditamos em modelos horizontais e fluidos, evitando colocar os sócios e colaboradores e caixas e cargos definidos. Acreditamos que a potência do nosso trabalho é fruto deste modelo, em que as pessoas assumem papéis diferentes a cada projeto e que podem buscar novos caminhos, linguagens e pesquisas. Hoje temos um time multidisciplinar, com foco em design de vídeo e projetos de espaço. Mas nossa atuação é tão ampla que os profissionais do nosso time estão em constante aprendizado e desenvolvimento.
P: Por fim, contem uma curiosidade sobre o Bijari que pouca gente do mercado sabe, mas vocês acham que todos deveriam saber!
R: Uma de nossas obras/intervenções mais famosas, o Carro Verde — que já participou de exposições, Bienais, eventos de marcas, etc — começou quase que por acaso. Fizemos uma ativação para a Motorola com caçambas que viravam jardins na cidade e, ao final do projeto, sobraram algumas plantas. Simultaneamente, um carro foi abandonado na porta do estúdio. Juntamos os dois e surgiu o primeiro Carro Verde, devidamente fotografado e compartilhado.
A história poderia terminar ai, mas quase 1 ano depois recebemos uma ligação estranha: um curador de uma centro de arte contemporânea (Rotor) em Graz, na Áustria, perguntando se não queríamos participar de uma exposição com a nossa obra que estava publicada:
– Que obra?
– O carro!
– Que carro?
– O carro com as plantas!
– “Tem um cara aqui querendo um carro com plantas. Alguém sabe do que se trata???”
Até que ligamos os pontos e o Carro Verde nasceu como arte, com sua estreia oficial em terras austríacas (a dificuldade foi achar um carro abandonado. Os austríacos não tinham ideia que isso pudesse existir…).
Já se passaram 10 anos, o Carro Verde passou por inúmeras versões, foi apreendido, virou ônibus, ganhou descendentes pelo Brasil e pelo mundo e, há quatro anos, virou bicicleta. Mas isso é outra história.