Se a gente puder destacar um aspecto positivo que temos visto ao longo dessa pandemia, é a capacidade humana e empresarial de fazer o bem.
Comunidades se organizaram para dar assistência aos mais carentes, empresas se movimentaram para ajudar hospitais, profissionais da saúde, pequenos comerciantes e etc. Os mais céticos podem argumentar que esses movimentos são impulsionados por objetivos egoístas de autopromoção. Os mais otimistas vão dizer que, independente do motivo, o importante é que algo seja feito, não importa o alcance do impacto da sua ação.
Existe mérito em ambos lados da moeda? Quais mudanças o mundo pós-pandemia vai exigir das marcas? Para discutir o tema, convidamos o Rennê Nunes, CEO do UP Lab, laboratório de inovação especialista na seara do impacto positivo.
P: Rennê, no texto intro a gente aponta duas linhas de pensamento sobre as ações das empresas neste momento de pandemia: aquela linha que enxerga um caráter aproveitador e outra que vê valor nas ações. Qual é o seu ponto de vista?
R: Na minha opinião o correto seria analisar cada caso e não criarmos uma visão tão binária sobre as empresas ou pessoas. Há casos onde vemos boas intenções em gerar impacto, mas muitas vezes vemos uma empresa com uma visão de impacto bem restrita e ainda mal assessorada sobre a causa ou a comunidade com quem se quer dialogar. E o que era para ser uma ação de impacto positivo acaba tendo um impacto negativo. De fato, essa agenda veio para ficar e o que estou percebendo é que as marcas que estão trazendo o olhar de impacto para governança corporativa, para o core do negócio, indo além das agendas de comunicação e marketing ou do departamento de sustentabilidade, são as empresas que estão se destacando e tendo resultados mais expressivos, como a Natura, que temos muito orgulho de ter entre nossos principais clientes. O Guilherme Leal é extremamente comprometido com essa agenda B. A Natura é a maior empresa B do mundo. Ajudou e muito a puxar este movimento, não só no Brasil como na América Latina.
P: O que é o real significado de “impacto positivo” e como medi-lo?
R: A visão mais atual sobre impacto positivo compreende a dimensão do triplo impacto: ambiental, social e econômico de uma organização. Muitas vezes vemos esses conceitos também conectados ao ESG (Environmental, social and corporate governance). As métricas são realmente um ponto interessante, principalmente porque o principal indicador para tudo que fazemos no mundo das empresas é o lucro. Ao contrário do que muitos pensam, a sustentabilidade não fala em ausência de lucro, mas está claro que esse não pode ser o único fator determinante sobre o sucesso de um negócio. Devemos mais do que nunca considerar também os indicadores sociais e ambientais daquela operação. Os consumidores e o próprio mercado já começaram a cobrar as empresas por uma atuação mais consciente e que entregue resultados para além dos lucros, até porque o mundo que está ruindo não precisa de novos bilionários, muito pelo contrário. Acredito que cada empresa ou organização é um organismo vivo e complexo, e precisa criar métricas de impacto que correspondam com o seu tamanho e a sua curva de maturidade nesta caminhada, que é muito mais longa e complexa do que podemos imaginar.
P: O que os profissionais de marketing precisam fazer para assegurar uma atuação mais ativa e duradoura de suas marcas? E qual é o papel das agências nisso?
R: Os profissionais de marketing deveriam estar numa grande reflexão. Eu estou vivendo ela há pelo menos 6 anos. Vivemos um momento de transição de mundo onde as expressões marketing e publicidade provavelmente seguirão sofrendo transformações ainda mais intensas nos próximos tempos. Essas disciplinas de fato surgiram num contexto de uma velha lógica de consumo, que está cada dia mais em check. Precisamos ter a humildade de reconhecer que muito das questões globais que enfrentamos hoje foram impulsionadas pela nossa indústria. Mas eu sou do time dos otimistas, que acredita que nem tudo está perdido. Eu acredito que a comunicação não só pode como tem o papel de colaborar e muito no processo de transição de mundo que precisamos. Isso é uma das principais crenças da UP Lab. Mas acredito que precisamos primeiro nos transformar enquanto lideranças e entender que cada decisão que tomamos gera um impacto. Deveríamos já estar mais conscientes e comprometidos com a nossa revolução humana, com o nosso autoconhecimento e com as agendas de transformação que o planeta está clamando. As empresas são feitas de pessoas. Se as pessoas se transformarem, principalmente lideranças de negócios, essas pessoas vão transformar as organizações, sejam anunciantes, agências, veículos e etc.
P: A UP Lab fala, em seu site, sobre a “nova lógica do consumo”. Como a pandemia altera ou acentua essa nova lógica?
R: A pandemia não só acelerou mudanças de comportamento que já vinham acontecendo, como também foi o ambiente fértil para o surgimento de novas. O que estamos vendo é que esse contexto está nos impulsionando a refletir e praticar novos jeitos de viver. E isso impacta na forma como lidamos com a nossa saúde, alimentação, casa, mobilidade, nossas relações, e isso tudo impacta também na forma como consumimos. Neste ponto, já estamos observando comportamentos mais conscientes de pessoas que estão procurando saber mais detalhes sobre produtos e empresas. Outros pontos que apresentam crescimento é a prática da reutilização e o chamado “Do it Yourself”, além do incentivo à economia local, que é algo fundamental, principalmente quando pensamos em igualdade e distribuição de renda e riquezas.
P: Vocês trabalharam bastante com Design Fiction, né? Pode falar um pouco mais sobre isso e como as marcas podem se beneficiar dessa metodologia?
R: Essa é a principal metodologia com a qual trabalhamos na nossa unidade de futuro, inovação e impacto, o UP Future Sight. Tentando simplificar algo que a Lidia Zuin, nossa futurista líder, explicaria muito melhor do que eu, o Design Fiction é uma das disciplinas usadas principalmente quando estamos interessados em visualizar cenários futuros. É uma mistura de design thinking com lente de ficção científica que nos ajuda a criar hipóteses de futuros desejáveis. Aqui trabalhamos com um framework que explora muito mais a nossa imaginação do que necessariamente a criatividade. No momento que vivemos, é cada vez mais urgente suspendermos nossas crenças limitantes sobre mudanças e abrir as portas para o novo se manifestar. Geralmente aplicamos o Design Fiction para entender como uma marca, produto ou serviço poderá gerar valor dentro destes contextos futuros. Um dos nossos projetos de maior destaque foi com a Embraer, onde colaboramos com a área de inovação da empresa na pesquisa sobre as verticais de futuro da organização e junto com o time de aviação executiva co-criamos uma jornada para pensar a atuação da empresa nos próximos 50 anos, onde os próprios funcionários foram os protagonistas. O resultado gerou um road map de insights que certamente irão influenciar o futuro da companhia.
P: Temos visto muitas empresas adotando definitivamente o home office para alguns grupos de colaboradores, outras ampliando seus programas de home office. Como você enxerga isso para a dinâmica das empresas e qual é o plano para a UP Lab neste sentido?
R: Apesar da nossa base fixa ser no Impact Hub em São Paulo, já atuamos com o modelo de home office há mais de 3 anos. Mais do que um movimento de migração para o home office, estamos vivendo a transição para um modelo “out of office”, onde a única coisa que se sabe é que as pessoas não querem mais se deslocar para um escritório todos os dias para ter que trabalhar do mesmo lugar, como uma obrigação. Este momento está nos mostrando que é possível trabalhar de muitos lugares. Mas como todo modelo, há novos desafios em relação à saúde mental, cultura organizacional, carga horária de trabalho, gestão de processos, pessoas e uma série de pontos que precisam ser amadurecidos. Cada empresa precisa entender seu momento e construir melhor os passos desta transição ouvindo principalmente quem faz a empresa acontecer todos os dias: colaboradores.
P: Última pergunta: você é carioca, mas mora em São Paulo há algum tempo. O que mais sente falta do RJ e o que mais te encanta em São Paulo?
Acho que essa pergunta conecta com a resposta anterior. Me mudei para o litoral da Bahia faz uma semana. Já que tenho cada vez mais a oportunidade de trabalhar de forma remota, estou colocando em prática um sonho de priorizar a minha qualidade de vida, vivendo mais próximo da natureza. Morei exatamente 3 anos em São Paulo e de lá eu trago comigo as relações que construí, as conexões que fiz e as experiências que vivi na cidade mais cosmopolita desse global sul. Do Rio eu nunca vou embora. Lá estão minhas raízes, minha família, minha formação. Madureira. Já tem algum tempo que eu me interesso pelas sinergias entre o Rio e a Bahia. Acho curioso ter o Espírito Santo separando estes dois lugares e povos maravilhosos. Se não, já pensou? Possivelmente a gente viveria numa vibe de carnaval o ano inteiro. O que seria bem menos surreal do que a realidade que estamos vivendo no Brasil em 2020.