Quando se fala em influenciadores digitais, a imagem que vem à mente para muitos de nós é da musa fitness, de corpo irretocável, meditando em Bali em ou fazendo ioga em algum resort no Nordeste, não é? Mas, se por um lado, essa persona é aspiracional para muita gente, a realidade é que tal estilo de vida é absurdamente distante para a grande maioria dos brasileiros.
E, num momento em que cada vez mais marcas precisam se conectar genuinamente com o público, lançar mão de porta-vozes mais relacionáveis e pés no chão é uma demanda crescente.
Esses porta-vozes, muitas vezes, estão na favela.
Na Featured Story deste mês, conversamos com Guilherme Pierri, um dos fundadores da Digital Favela, iniciativa que conecta marcas a micro influenciadores comunitários.
Confira abaixo!
P: Guilherme, de onde surgiu a ideia de montar a Digital Favela e qual é, essencialmente, o trabalho de vocês?
R: O projeto surgiu a partir de uma parceria institucional entre a Peppery (agência que fundei em 2010) e a Central Única das Favelas – CUFA. A partir de um longo período de convivência com o Celso Athayde (Fundador da CUFA e da Favela Holding), entendemos que havia uma demanda muito grande por marcas/empresas querendo se aproximar dos territórios de favela mas sem entender quem seriam os porta-vozes locais. O Digital Favela surgiu para aproximar moradores de favela que são autoridades em suas regiões com marcas/empresas que estão ou não presentes nos territórios, sendo comunicados por estes, que são os maiores entendedores e autoridades dentro do contexto.
Além disso do uso da tecnologia e dados, o projeto tem um grande propósito de transformação. Seja transformação do morador, que passa a ter uma nova profissão e fonte de renda, do próprio território, que passa a ser observado e suportado pelas empresas e as marcas que encontram um novo horizonte na comunicação com este público. Nosso objetivo é cada vez mais proliferar o poder da favela e exponenciar a geração de renda para os seus moradores.
P: Se as favelas seguem às margens da sociedade em termos de serviços do Estado, podemos dizer que as marcas nunca valorizaram tanto o poder criativo e de consumo dessas comunidades?
R: As marcas sempre buscaram se aproximar dos territórios. Mas sabemos que a entrada e aproximação nunca foi uma tarefa simples. Muito pelo contrário. Envolve diversas questões que, na maioria das vezes, por falta de conhecimento e entendimento territorial, ficam “travadas” para essa comunicação.
Nosso objetivo é unir a favela com o asfalto de forma legítima, rompendo barreiras e construindo grandes pontes entre estas diferentes realidades e buscando a equiparação social através da geração de renda.
P: Como tem sido a receptividade e procura das marcas para este tipo de serviço? Quais são as barreiras que vocês ainda lutam para derrubar?
R: O projeto completou 10 meses em abril e a receptividade e aceitação foi incrível desde o nosso lançamento. Hoje somos parceiros dos maiores anunciantes do país (Santander, Claro, TikTok, Facebook, Reckitt Benckiser, Unilever, Boticário entre muitos outros), com dezenas de projetos já realizados e diversos cases jamais antes construídos no mercado de influência. Nesse novo momento da comunicação, legitimidade é uma palavra de ordem para todos e a Digital Favela é a interlocutora destes micro e macro influenciadores de comunidades que até então, encontravam-se invisíveis ao olhar das marcas.
Porém, as barreiras são grandes e o “mato é bastante alto”. Encontramos ainda diversas dificuldades no mercado como por exemplo a equiparação de cachês, comparações não cabidas com influenciadores “do asfalto”e já consolidados, preconceitos com alguns perfis apresentados, falta de entendimento dos códigos e linguagem usada pelos influencers, entre outros.
Neste momento social que vivemos, sempre alertamos às empresas que, são elas que precisam aprender com as favelas e não o contrário. Como o Celso Athayde sempre diz, “Os favelados não aceitam mais serem os ratos de laboratório e as empresas os cientistas”. E é com base nisso que acreditamos e buscamos projetos e campanhas sólidos e que tragam esse intercâmbio constante.
P: Os temas ESG (environmental, social & governance) tem ganhado espaço na agenda de grandes empresas. Por que isso vem acontecendo com mais ênfase recentemente?
P: As pautas sociais há tempos que já não são só parte apenas de uma única área das empresas mas já permeiam todos os principais setores e se mostram cada vez mais presentes nas companhias, assim como a dedicação de recursos e investimentos vem aumentando consideravelmente nos últimos anos.
A nova geração de executivos e empresários está também cada vez mais engajada e aberta a encontrar seu espaço de colaboração e contribuição em uma sociedade mais justa e igualitária, usando suas novas crenças pessoais aplicadas em suas cadeiras e refletindo de forma positiva em suas empresas. Sabemos que estamos muito aquém do ideal para que isso aconteça mas estes movimentos mostram que não somos mais os mesmos de 10 anos atrás.
Não há mais espaço para práticas antigas e omissões básicas. Empresas são feitas de CPFs e só com inclusão e diversidade podemos acelerar essa questão. Temas como ESG e muitos outros entram cada vez mais em destaque justamente por essa busca no equilíbrio dos pilares social e de sustentabilidade aplicada nos negócios.
P: Uma vez que o modelo da Digital Favela se mostra viável no Brasil, vocês têm planos para levar ferramenta para outros países?
R: Isso já é uma realidade próxima. A Cufa, por estar presente em 17 países, nos conectou com diversas lideranças fora do Brasil para que essa expansão aconteça de forma natural e conectando outros locais de vulnerabilidade, com características próximas aos territórios brasileiros e com diversos e geniais criadores de conteúdos regionais. Em breve será comunicado também ao mercado.
P: Qual é a principal força das favelas que muitos executivos ainda não descobriram?
R: Posso dizer que é a união da tecnologia com o conhecimento territorial. É o poder da segmentação de dados usado para conectar o influenciador ideal ao briefing em questão, somado ao potencial criativo dos influenciadores. É a força da favela se comunicando com seus pares, em seus territórios, por meio de seus canais sociais.
Ao conhecerem o projeto, os executivos são sempre os mais entusiasmados com o iniciativa, pois acreditam que além da geração de resultados com as ações, existe o lado de colaboração no desenvolvimento e capacitação dos envolvidos, seja de forma direta ou indireta da ação.
Ainda há um longo caminho mas acreditamos muito no propósito principal e na quebra de estereótipos e paradigmas culturais. Favela não é carência, favela é potência.