Confira as visões de André Foresti, estrategista e fundador da TroubleMakers, sobre a importância da mudança e antecipação.
Se tem um jargão que podemos atribuir a 2020, provavelmente é o “novo normal”. Do começo da pandemia pra cá, quase todo mundo usou o termo ao menos uma vez, e muitos o adicionaram de uma vez ao seu vocabulário.
Não é o caso de André Foresti.
O estrategista e fundador da TroubleMakers, aliás, escreveu um artigo para o UOL em junho com o título O clichê do “novo normal”: uma desculpa para quem estava no automático. Sem entrar em detalhes do conteúdo do artigo, já que o título é bem explicativo, Foresti entende que mudar é algo constante e necessário como antecipação e não apenas reação.
Claro que mudança vem com desconforto, e sem desconforto não há mudança. E Foresti traz isso para o cerne da Tourblemakers. “Meet your discomfort” não é apenas uma tagline poderosa da consultoria, mas também uma dica da crença e, principalmente, metodologia da empresa que resolve problemas pilhando pessoas para chegar em pontos de vista originais.
Na Featured Story deste mês da BPool, conversamos com André Foresti da TroubleMakers sobre essa era de mudanças que vivemos.
Confira!
P: Foresti, explica um pouco o nome TroubleMakers, e o qual é o papel do desconforto no contexto de inovação?
Quando resolvi empreender, queria um nome que já deixasse nosso posicionamento claro desde o primeiro contato. Sabe quando você vai em uma loja e na fachada já percebe se ela faz ou não sentido para você? Isso. Ao montar um estúdio de inovação, decidi escancarar o posicionamento passional, questionador, profundo e corajoso para que os clientes e projetos que batessem à nossa porta estivessem procurando por esse chacoalhão. Sem contar que ele dá a ideia de uma rede, inconformistas reunidos para mudar coisas. Todo mundo pode ser um troublemaker! Não é um dom, mas sim um espírito que tentamos levar como convite para que pessoas quebrem suas lógicas automáticas e se permitam trabalhar com mais coragem. E com apoio da nossa rede de talentos disruptivos isso fica ainda mais fácil, pois é na ampliação de ponto de vista que surge o atrito, o novo, o movimento que quebra o pensamento comum.
E daí ficou quase óbvio ter um sistema de trabalho e bandeira que fosse sobre “encontrar o desconforto”. Pois muita gente fala em sair da zona de conforto, mas isso ainda soava utópico pra gente. Encontrar o desconforto é ir na direção do medo, encarar mesmo e ter ferramentas e método para isso. Essa bandeira não é um grito de autoajuda e sim um sistema de trabalho que permite de verdade subverter a realidade, mudar a perspectiva e chegar em respostas originais. Originalidade é ciência e subversão é negócio, e não porque é hype ou cool.
P: 2020 tem sido um ano muito duro com as pessoas e com a maioria das empresas. Medo, incertezas, perdas, mudanças. Desconforto puro! Isso significa, na sua concepção, que estamos vivendo um momento único em termos de possibilidades?
Antes de qualquer comentário sobre esse desconforto positivo, vale aqui dizer que esse é um período de perdas e isso deve ser respeitado. Se a gente assumir que esse desconforto apenas veio para o bem, ignorando o lado trágico da pandemia, poderia soar absolutamente raso e pouco consciente. Então essa claquete é sempre importante. Porém, se olharmos por uma ótica de aceleração de mudanças mercadológicas, bem ou mal o radicalismo da mudança de rotina forçada derrubou as várias desculpas e crenças limitantes que as empresas tinham.
O artigo citado fala muito disso, o quanto essas mudanças já deveriam ter sido tomadas mas existiam desculpas para empurrar com a barriga. O 2020 escancarou isso.
Acho que sim, estamos vivendo momentos de possibilidades, de aceleração na mudança e principalmente na maturidade digital e no questionamento da nossa robotização versus busca de sentido, humanidade e visão sistêmica de que (querendo ou não) estamos conectados e um passo impacta a outra pessoa. Mas queria deixar uma provocação aqui: e se as empresas tivessem começado antes, não estariam colhendo frutos agora? Mudar em meio a crises é sempre pior e, às vezes, tarde demais. Por isso as empresas precisam colocar a inovação para rodar como parte do seu dia a dia, para antecipar movimentos e dar as cartas dos próximos passos, invés de serem “seguidores”. Ser apenas seguidor não gera valor, pois nesse mundo as coisas empatam rápido demais.
P: Nas dinâmicas da Trouble, como você faz para medir a dose certa de desconforto aplicada? Já teve gente que “espanou”?
Sempre dói. Quem faz terapia e nunca doeu, provavelmente não tá endereçando o problema certo. O maior segredo da inovação e criatividade é encontrar de verdade o problema e entendê-lo por uma perspectiva realista, ousada e pioneira. Quando a gente resolveu transformar o desconforto em sistema de trabalho, buscamos garantias que isso fosse sistêmico independente de cliente, pessoas, indústria e outras variáveis.
Temos ferramentas que o time não tem como fugir. De entrevistas anônimas e momentos de cocriação onde os rituais são viscerais e mexem com emoções.
A gente já sabe que o sistema vai rejeitar, e nos organizamos para estar lá e enfrentar isso. Ora com argumentos que escancarem a realidade, ora com acolhimento e abafando a cultura do medo corporativo. É tudo sobre quebrar a expectativa, desarmar o previsto, desmontar as verdades de sempre. E pra quebrar isso, temos ciência de mapear, entender e colocar ali, doa a quem doer. Nunca vi uma pessoa que não gostou, de verdade. Elas sofrem em algumas passagens, mas no fundo o lugar que se chega compensa. Acho que passar por um momento delicado (numa jornada) acaba criando uma conexão e senso de pertencimento e espaço diante do desafio. Por exemplo, estimulamos demais os conflitos. Quem lê a palavra conflito já pensa em algo pesado, não natural. Não é por aí, é o conflito de ideias e não de pessoas. Nada mais humano do que poder lidar com uma ideia diferente da sua e o mundo precisa disso.
Até para a melhor tomada de decisão, afinal se tem mais ângulos na sala, consegue tomar uma decisão mais correta e não ser pego de surpresa por uma visão muito padronizada.
P: Jim Koch, co-fundador e chairman da cervejaria Samuel Adams, sempre diz em entrevistas que “tem coisas na vida que são assustadoras, mas não perigosas, enquanto há coisas perigosas, mas não assustadoras”. Como que você interpreta isso?
Para ser honesto desconheço o pensamento dele, nunca estudei e não faço ideia o contexto disso. Mas lendo e fazendo paralelo com o que vejo desde que trabalho com inovação, acho que todo tipo de mudança relevante é um pouco assustadora sim. Não tem como não ser.
Afinal, mudar nem sempre é melhorar e isso apavora pessoas de maneira geral.
Sempre digo que as pessoas querem mudança mas não querem mudar.
Mudar é sair da posição que, por pior que esteja, sempre tem algum lado bom.
Por isso que várias empresas só deixam para mudar quando já estão totalmente ferradas, pois fica claro que não tem mais nada a perder. Esse é um grande erro, pois deixar chegar nesse ponto é tarde demais. As mudanças que geram valor precisam ser feitas antes, afinal você antecipa o seu mercado e as demandas que os consumidores têm. Mas tem risco.
Quanto maior o desafio, mais mudança que te tira do lugar atual e maior risco.
E brincando com o jogo de palavras do assustador e o perigoso, tenho uma certeza que os maiores perigos do mundo são aqueles que não vemos. Inimigos invisíveis.
Para o pensamento de inovação, existe uma ironia gigante pois ninguém vê ou sente perigo quando fica parado, sem encarar uma transformação que começa a ser necessária.
Ficar parado dá uma sensação de segurança, quando na verdade, pode ser o maior perigo que está correndo mas só vai descobrir algum tempo depois, ironicamente, tarde demais.
O risco de ficar parado nunca vai pra matemática contra o risco de se movimentar. Deveria, pois em alguns casos se movimentar é sobreviver.
P: Como você faz pra manter a Trouble fiel aos seus valores e manter a você mesmo numa zona de desconforto?
A pergunta sobre valores deve levar muita gente para um pensamento romântico e idealista.
Apesar de eu ser um apaixonado por empreender e a Troublemakers ser uma empresa passional e comprometida com sua cultura e crenças, as duas coisas que me vêm a cabeça para responder essa pergunta são de ordem absolutamente prática e realista.
A primeira é sempre tentar vender olhando para o futuro, para antecipar faturamento e ter um caixa saudável. A maioria das empresas que se entrega é por desespero e necessidade de dinheiro para sobreviver. O caixa em dia facilita você manter sua empresa alinhada com a razão de existir de quando se tornou empreendedor.
E a segunda coisa é ainda mais óbvia: eu falo um monte sobre isso. Tá documentado.
Essa entrevista tá documentada. O podcast tá lá. O site tá lá. Os posts do instagram estão lá.
Nem se eu quiser eu consigo fugir disso pois eu me comprometi perante o mundo.
A Troublemakers não é mais minha. Cada palavra, projeto e ideia que circula cria um compromisso dessa empresa ser o que a gente queria que ela fosse. Ela é pública e me lembra o tempo todo disso, do porque estamos aqui, do que somos e principalmente do que não queremos ser e dos vícios do mercado que jamais queremos cometer. Somos um projeto para dar esperança que outros modelos são possíveis. Se a gente virar o “status quo” eu não vou estar feliz e provavelmente o projeto vai acabar.
Eu tive um cuidado de alinhar o propósito da empresa com o meu, pessoal.
Para ver sentido em todos os dias que acordo e vou trabalhar. A empresa existe para turbinar gente e tentar levar as coisas para um lugar nada convencional. E eu também.
P: No seu artigo para o UOL você citou sua preguiça pelo uso generalizado do “novo normal”, uma vez que vivemos um mundo VUCA e tudo muda o tempo todo. Então como fazer pra se manter atento às mudanças ao nosso redor se somos bombardeados por informações o tempo todo?
Diria que faço 3 coisas:
- Reflexão constante sobre tudo, de coisas profundas até mesmo banalidades. Qualquer coisa que vejo tenho o hábito de pensar “por quê? por que não? e se?”. Hábito mesmo. Adoro pensar um monte sobre as coisas, e adoro largar umas provocações entre amigos ou nas redes sociais, pois esses debates também fazem pensar.
- Contato com pessoas diferentes. Se parar pra ver a complexidade e mil possibilidades do mundo, fica claro entender que não sabemos de nada. Melhor jeito de ter repertório é ter contato com pessoas absolutamente diferentes e, de preferência, melhores que você em assuntos novos.
- Abrir um espaço obrigatório na agenda para imergir em conteúdos. Normalmente isso não é visto como parte do trabalho, ficando para “quando dá”. Precisamos sistematizar isso, criar slot mesmo para aprender.
E outra: temos que dar uma segurada nas demandas em tempo real que aparecem do nada na agenda do seu dia. Senão passamos a atender demandas de fora pra dentro, e nem sempre as pessoas de fora sabem o que você precisa para manter o nível do seu desenvolvimento e entrega profissional e pessoal.
