Representações problemáticas sobre gênero, classe, orientação sexual, raça e corpo ainda perpetuam nos dias de hoje na publicidade. As propagandas exibidas na TV e as publicações de marcas nas redes sociais, apesar de estarem em um notório processo de evolução e mudanças, ainda reforçam estereótipos e continuam a não representar a real diversidade do Brasil.
Mas, como combater estereótipos negativos na publicidade brasileira e construir narrativas reais?
Na Featured Story deste mês, conversamos sobre estereótipos na publicidade com Clariza Rosa, Sócia e Co-fundadora da SILVA, uma agência criativa e produtora, que traduz e estabelece uma nova forma de comunicar sobre o Brasil real, considerando seus contextos socioculturais, movimentos e expressões em imagem.
Confira a entrevista!
P: Clariza, para iniciar nosso bate papo, comente sobre a importância e os desafios de combater estereótipos na publicidade do Brasil.
R: Eu vejo que realmente estamos passando por um processo de transformação. Há alguns anos não veríamos pessoas ocupando papéis ou em cargos de liderança como vemos hoje. Claro, que ainda falta muito, mas essas mudanças pelo menos já começaram, mesmo de forma lenta.
Um dos principais desafios está em quem cria os personagens e dá vida a esse mundo lúdico da propaganda, ainda não são pessoas majoritariamente diversas entre si.
Você que tá lendo essa news, se você olhar pro lado agora, nesse exato momento, na tela do zoom ou ao vivo, você vê pessoas iguais a você ou diferentes?
Aumentar o repertório imagético da população é importante para que a gente se acostume a ver grupos minorizados em lugares da normalidade.
P: Na sua opinião, por que a publicidade ainda insiste em simplificações, clichês que em muitos momentos esbarram em preconceitos?
R: Porque fazer diferente dá muito trabalho e se pensar no fluxo do dia a dia de uma agência, dependendo da lógica que ela opera, está todo mundo correndo pra lidar com os prazos da entrega e se liberar pra entrar próxima conta ou concorrência. Além de ser nocivo como um todo, pode deixar o trabalho menos profundo e para que o trabalho seja aprofundado você precisa de tempo ou das pessoas certas.
Em muitos momentos pode parecer que o principal inimigo da diversidade é apenas o racismo (que já é bastante coisa), mas acredito que lógica que coloca as agências de pé também estão atreladas a isso, se você está num lugar que não tem diversidade e não tem tempo de pensar como sair do lugar mais óbvio (racista e classista em muitos momentos). Se você não tem um board de liderança que não está pessoalmente comprometido com a pauta racial, se o time não tem pessoas com repertórios sociais diferentes, tudo isso leva tempo e a publicidade está correndo o tempo todo.
Ao passo que precisamos dar celeridade aos processos, precisamos que eles sejam planejados e estruturados no longo prazo.
P: Você acredita que estereótipos na publicidade podem fazer mal a crianças e adultos, limitando como as pessoas se veem e as decisões que afetam suas vidas, restringindo escolhas, aspirações e oportunidades?
R: Com certeza! Temos falado muito sobre construção de novos imaginários. quando projetamos pessoas negras em lugares diferentes dos que construíram nossa sociedade, estamos quebrando com uma lógica e uma forma de estar em coletivo. Para mim, a publicidade sempre vai carregar o papel de educar as pessoas e impulsionar a construção de novas perspectivas.
Ao mesmo tempo, enquanto pessoas negras que constroem esse mercado, precisamos estar em alerta pra entender a quem serve as personas que estão sendo criadas por aí, por exemplo: é suficiente uma campanha onde o protagonista negro foi pensado por uma pessoa branca? ou onde a protagonista da novela ganha vida através de um roteiro escrito por uma pessoa branca?
Entender onde estamos sendo projetados e por quem nos ajuda a visualizar para que tudo isso realmente está servindo, se é só pra dizer que “olha como tratamos pessoas negras” ou para realmente impulsionar novos imaginários. Pessoas brancas têm uma grande responsabilidade aqui também, essa conversa também é sobre a conduta delas.
P: Como a publicidade pode ajudar a construir um mundo mais equânime entre os gêneros?
R: Primeiro entendendo que antes de gênero vem a raça e isso poder ser bem complexo. Quando falamos enquanto sociedade do direito das mulheres, ainda estamos falando de mulheres brancas. Quando falamos sobre a saúde mental do homem, ainda estamos falando de homens brancos, majoritariamente.
Não vai existir um mundo mais igualitário se não entendermos que existe um abismo entre esses grupos chamado racismo que alimenta a pobreza, a falta de acesso à educação, o racismo ambiental, o monopólio dos mesmo grupos e por aí vai.
Esse mundo só vai existir quando a publicidade passar a ser um retrato da realidade (mantendo a ludicidade claro) considerando suas nuances. acredito que esse trabalho já começou, com pessoas negras dentro das marcas, com pessoas brancas que de pouco em pouco pegam a responsabilidade pra si e com algumas gerações cada vez mais críticas!
P: Ao mesmo tempo que a propaganda não pode mostrar só padrões inatingíveis, ela precisa também despertar desejo. Como é equilibrar esses lados?
R: Acredito que mudar a referência nos ajuda a entender qual tipo de desejo queremos despertar, se sabemos que não somos desenvolvidos nos mesmos contextos, porque nossas aspirações serão as mesmas? Qual o parâmetro de sucesso, do amor, do vencer na vida Se mudamos o referencial, de forma responsável, sonhadora mas pé no chão, nossa mensagem é sim mais assertiva.
P: Como a SILVA contribui para ampliar a diversidade na publicidade e criar um marketing mais inclusivo?
A gente acredita que ampliar diversidade e inclusão não pode estar restrita aos meses onde essas pautas ganham mais visibilidade. E é por isso que nosso time é 80% negro, nosso quadro societário é 50% negro e todos os projetos que pensamos são pensados a partir desse viés, que na verdade deveria ser normalidade e não diversidade, em muitos momentos. temos campanhas na rua com Twitter, Boticário, projetos com Coca-Cola e produções autorais que quem está na liderança são pessoas negras, periféricas, lgbtqia+, pessoas trans e é assim que passamos nossa mensagem e urgência sobre o assunto. A sociedade não tem mais tempo de esperar organizar pras mudanças acontecerem, precisamos forçar isso no agora com estratégia.