Por vezes mergulhamos num desejo imenso de saber de tudo, ignorando o fato de que isso é impossível – e desnecessário. Que a ansiedade coletiva e o olhar para o futuro não nos distanciem de uma visão crítica e responsável e do comprometimento com o presente
Março de 2020. Embora estivesse acompanhando o avanço da Covid-19 parecia impossível um evento do tamanho do SXSW ser cancelado. Apreensão pelo evento, angústia pelo desconhecido. Em meio a um turbilhão de sentimentos, fiquei sabendo do cancelamento. E em Miami – de onde faria a Conexão para Austin e onde fiquei por mais alguns dias – acompanhei o anúncio da OMS confirmando que de fato estávamos vivendo uma pandemia.
Fevereiro de 2024. Aqui estou de novo, quase pronta para o festival. Avaliando a programação no site e acompanhando as discussões de diferentes grupos de pessoas que estarão lá, os estímulos são os mesmos, assim como as angústias. A síndrome do FOMO é uma constante desde já – de forma alguma, podemos perder a sempre aguardada participação da Amy Webb, a mais respeitada futurista da atualidade.
Fico me perguntando, no entanto, se por trás dessa aparente normalidade somos o mesmo público de 2020. Creio que não. No momento em que escrevo esse texto estou absolutamente impactada pelo livro O Mito do Normal, do médico e autor húngaro-canadense Gabor Maté, um dos maiores especialistas em trauma do mundo.
Para Gabor, “trauma não é o que acontece com você, mas sim o que acontece dentro de você”. Maté, citando o psicólogo Rollo May, diz ainda: “A liberdade humana envolve nossa capacidade de fazer uma pausa entre o estímulo e a reação, e nessa pausa escolher a reação em direção à qual desejamos ir”. O trauma nos rouba essa liberdade”.
Escrevo sobre isso para questionar se, entre a ansiedade de um evento com tantas atrações e um trauma coletivo que deixou marcas mesmo imperceptíveis em todos nós – não estamos indo para Austin de forma mecanizada, automática, sem visão crítica e buscando todos pelas mesmas coisas ou usando as mesmas lentes.
Gosto muito das provocações do André Foresti, que não à toa, criou uma empresa chamada TroubleMakers – que faz parte da rede da BPool. Em um texto publicado no Linkedin, ele escreve: “Mas vejo muita gente que não consegue inovar nada na sua empresa (e diga-se de passagem, tá morrendo de medo de ficar velha e obsoleta) se mistura num ambiente inovador, coloca um crachá no peito, um post no instagram, e naqueles breves dias ela diz pro mundo: “Sou inovador, p****! Sou digital, faço parte do mundo mudando. Olhem como tenho vontade disso”.
E na segunda-feira volta pro escritório. Fazer o que fazia. Não deixar ninguém fazer nada diferente. Ou então sucumbir ao Seu Carlos, que manda em tudo e só quer terminar mais um dia no lucro. Percebem? Era um flerte distante, a vontade de ter vontade de mudar. Mas não suficiente para, no dia seguinte, ser uma vontade real que possa virar um plano”.
Recentemente, Davi Cury, meu sócio, me chamou a atenção para uma frase do fundador da Lanzallamas (agência da Argentina), Mariano Repetto: “Estamos en una industria que todo el día habla de lo nuevo y después pide lo viejo”.
Não é uma missão fácil. Fazer mudanças realmente significativas e que façam sentido tanto para as organizações como de forma mais ampla para toda a sociedade não é algo fácil. Romper estruturas, assumir riscos e engajar as pessoas demanda grandes investimentos e muita energia, individual e coletiva. E nosso cérebro, sabemos, é econômico. Mas, que a pandemia – e tudo o que veio depois dela – tenha de fato deixado algum legado.
Que aproveitemos Austin e tenhamos um grande evento – e possamos estar conectados ao presente, mais conscientes e realmente comprometidos com as transformações que as empresas – e o mundo – precisam.